POESIA DE PERIFERIA, por Guilherme Vieira da Silva
- alemackoficial
- 14 de out. de 2020
- 3 min de leitura

Sem querer entrar em méritos teóricos, estou aqui para falar da periferia e de uma de suas maiores manifestações culturais: a poesia.
A poesia periférica nasce orgânica, exatamente como a semente que cai da boca do passarinho que se saciou com o fruto. A semente dá árvore que outros passarinhos voltam pra se saciar... Sem hora marcada.
Já a periferia surge da estratificação social, da desigualdade, exclusão, opressão. A periferia é um espaço geográfico, com suas características, dores e mazelas. E também seus momentos de alegria...
E o grito poético periférico tenta misturar tudo isso, no turbilhão do liquidificador e servir.
Grito de sofrimento, da perda, severidade, do não ter, da fome, de resistência. Chorar.
Grito das rodas de samba, de candomblé, de capoeira. Sorrir.
Afinal, predomina sangue negro na periferia. Impossível termos poesia periférica sem poesia negra.
Poesia de Donga, João da Baiana e Pixinguinha.
Literatura de Carolina de Jesus, Solano Trindade e Lima Barreto.
Do RAP ao Reggae. Do Funk ao Trap.
GRITO! Que alívio!
Há pouco tempo não tínhamos espaços culturais na periferia, pelo menos não propriamente ditos.
A cultura ocorria nos terreiros, nos bares e botequins, qualquer lugar que os periféricos pudessem se reunir e conversar sobre a vida, gargalhar, fofocar, paquerar, serem felizes, cantar... E recitar.
Nesse movimento cultural paralelo e marginalizado vão “acontecendo” espaços literários, os saraus (menos requintados, mas não menos agitados). Como exemplo maior temos a Cooperifa, sarau e movimento cultural da periferia da zona sul de São Paulo, fundada por ninguém menos que Sérgio Vaz, um dos maiores poetas da periferia.
E criam-se outros espaços, como o Sarau do Binho, Sarau da Brasa, Sarau Vila Fundão, Sarau das Pretas e o movimento literário da periferia já está disseminado nacionalmente.
E na mesma bala vem os SLAMs de poesia (Poetry Slam), ou simplesmente SLAM, herdados da tradição de Chicago da década de 80, que no Brasil foi introduzido por Roberta Estrela D'Alva através do ZAP! (Zona Palavra Autônoma) SLAM.
O SLAMs são competições de poesia falada em que geralmente são interpretadas poesias de autoria própria, de até 3 minutos, podendo variar dependendo do SLAM.
E se difundiu cabulosamente também, do Oiapoque ao Chuí, afinal, quem aí nunca ouviu falar do SLAM Guilhermina ou SLAM Resistência, não é mesmo?
Tanto no Sarau quanto no SLAM não somente a palavra diz, não só o que foi escrito, não só os versos, não só o conteúdo em si, não mesmo. O corpo também é extensão da literatura, os gestos, a tonalidade da voz, o olhar, a velocidade do recitar, etc. O corpo aqui é poesia também!
Os relíquias da literatura periférica são Sérgio Vaz, Sacolinha, Férrez.
Nomes de peso não faltam no nosso contemporâneo poético periférico: Emerson Alcalde, Tawane Theodoro, Kimani, Mel Duarte, Lucas Afonso, Mariana Félix, Rafael, Carnevalli, Midria, vish, a lista é como, só monstra, só monstro!
É isso. O barato da poesia periférica é você falar sobre o local que você vive. Das tuas tretas, dos teus trutas. Reivindicar, se orgulhar, passar uma visão ou uma vivência.
Dos moleques passando embaixo da catraca do busão, das tiazinhas de meia idade vendendo Yakult de porta em porta, do vai e vem das pipas no céu (uma batalha sem fim pra ver quem corta quem), dos bailes, dos cortes de cabelo, das gírias, dos manos, das minas.
Você ser o protagonista, tá ligado.
Sem cabelo dourado ou olhos anis.
Você e seu crespo ou cacheado, sua pele escura ou caramelo.
Do jeito que você é.
Do jeito que no seu verso couber.
GRITE!
Fonte da imagem: https://www.bibliotecasdobrasil.com/2014/08/a-poesia-contra-violencia-do-poeta.html
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