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LITERATURA COMPARADA E “O PODEROSO CHEFÃO”

Por Mariana Pacheco


O que é Literatura Comparada?


Já se pegou pensando a respeito de adaptações de um livro que você gosta, em como uma cena foi passada para um filme, por exemplo? Ou como um capítulo se tornou uma parte de um musical?


Pois bem, é para reflexão e análise de adaptações do discurso literário que a vertente de Literatura Comparada foca, pensando não apenas para a releitura ao cinema ou ao teatro, mas também para os diversos formatos midiáticos e plataformas linguísticas, e como essa transição transforma o conteúdo literário.


O terreno de estudos é vasto, se pensarmos nos diversos formatos midiáticos em que os livros podem ser adaptados para diversos públicos, como áudio-livros, clipes, músicas, memes, etc. – a internet, com a globalização, também expandiu ainda mais essas possibilidades –, além das vertentes para as quais essas adaptações são repensadas (cultural, social, etc), ou seja:


Se no passado o diferencial da Literatura Comparada se

encontrava na restrição de seu campo de atuação, hoje, o

mesmo se configura pela possibilidade da disciplina para atuar

em diferentes áreas e de se apropriar dos métodos dessas

áreas. (REBELLO, 2012, p.5)


Para exemplificar como a visão da Literatura Comparada pode estar presente em nossas reflexões literárias, peguemos um exemplo de um grande livro e um grande filme, de reconhecimento provado: O Poderoso Chefão.


O Poderoso Chefão, de Mário Puzo: o grande romance sobre a Máfia Italiana


O autor Mário Puzo (1920 – 1999), nascido em Nova York, publicou, em 1969, um romance de ficção sobre uma família de imigrantes italianos, originária da cidade de Corleone, na Sicília, Itália, que se mudam para os Estados Unidos. Acompanhando a saga tanto do pai, Don Corleone, e de seus filhos, como participantes e atuantes dentro da uma ramificação da Máfia italiana, é apresentado ao leitor o cenário de atuação da organização criminosa dentro do país e, em especial, dentro das famílias-membros desse grupo.


Em uma linguagem de troca de favores, tiroteios, brigas, vinganças, disputas e decisões, a obra permite uma construção de identidade da Sicília e dos imigrantes italianos nos EUA, a partir da associação com a Máfia, permitindo uma possibilidade de estruturar um significado e referência, por meio da literatura, pelo imaginário literário.


Saindo dos estereótipos derivados da trilogia de “O Poderoso Chefão”, Corleone é uma comuna com reais problemas por causa da Máfia – mais especificamente a Cosa Nostra siciliana – desmantelando sua prefeitura em 2012 por inúmeros casos de corrupção e estando atualmente sob mando do estado de Palermo, capital da Sicília. Uma luta constante para se libertar da imagem da cidade da Máfia e de Don Corleone.


O Poderoso Chefão, de Francis Coppola: o filme maior que o livro


O primeiro filme (1972), do que viria a se tornar uma canônica trilogia cinematográfica, dirigidos por Francis Coppola, traz uma adaptação fiel ao livro de Mário Puzo – que é o roteirista da produção para o cinema – mais vívida e com características marcantes, como, por exemplo, a trilha sonora inconfundível feita por Nino Rota (1911 – 1979). Além disso, as atuações de Al Paccino com Michael Corleone e Marlon Brando como Don Corleone também se tornam essenciais para definir o filme.


O filme foi indicado a 10 Oscars no ano de 1973, sendo vencedor nas categorias de Melhor Roteiro Adaptado, Melhor Ator (Marlon Brando) e Melhor Filme. Talvez isso se deva pelo roteiro ter a mão do próprio autor Mário Puzo, que junta com maestria suas palavras com as ideias cinematografias de Coppola, tornando a história em um marco para o gênero de gangster, e caindo na cultura popular e no gosto do público.


Foi considerado como culturalmente, historicamente e esteticamente significante, o que é uma verdade, pois é notável um cuidado para a adaptação de livro para o filme, do discurso verbal para imagético, sendo considerado pela Literatura Comparada como uma forma de transparecer a descrição de uma obra.


Porém, o sucesso do filme também fez com que a Máfia caísse nas graças do cinema e da cultura Pop e deveríamos questionar se essa mudança de percepção é uma coisa boa da adaptação.


A cultura sobre a Máfia: a Itália e suas famílias


A Máfia italiana é mais do que um mito construído e sustentado pela literatura e também por suas reinterpretações cinematográficas e midiáticas. É um problema extremamente real, cultural e social da Itália que, muitas vezes, é romanceado e ignorado por aqueles que não o enfrentam.


Existem duas vertentes de como a Máfia é descrita: ou de fato pelas famílias na Itália – Cosa Nostra (Sicília), Camorra (Nápoles), N’drangheta (Calábria) são as que mais dão trabalho atualmente às autoridades –, ou os gangsteres e ramificações de membros no Estados Unidos (em especial em Nova York, Chicago e Las Vegas) e em outros países ao redor do mundo (inclusive Brasil). Mas a geração atual mafiosa é conhecida como nova Máfia, estruturada a partir dos anos 1970, que mesmo que ainda atue em crimes

como contrabando de armas, jogos de azar, prostituição e estelionato, diferenciam-se da geração de 1920 a 1940 (a de Al Capone) por manter uma maior descrição, diminuindo tiroteios a céu aberto, por exemplo (é só conferir um pouco das fotos de Letizia Battaglia sobre o passado da Máfia na Sicília e será possível entender um pouco sobre essa mudança). Ainda assim, o valor monetário gerado pela Máfia na Itália é maior que o PIB do país, então não se engane: a Máfia ainda manda por lá.


Por conta desse poder incontrolável, que é reconhecido e temido pela população – 50% dos jovens italianos acreditam que a Máfia é mais forte que o Estado (ANSA Brasil – Centro Studi Pio La Torre de Palermo – 2021) – a Itália criou a DIA (Direzione Investigativa Antimafia), presente em todos os estados do país para combater constantemente casos envolvendo as mais diversas famílias mafiosas, tanto dentro quanto fora do país. Vira e mexe, algum capo é preso por conta dos esforços dessa elite policial única. Porém, tais ações não são o suficiente para deter a Máfia, que já está enraizada no cerne das estruturas italianas.


A Literatura representa uma cultura, e pode modificar a percepção sobre ela e não apenas isso!


Quando uma nova releitura é feita de uma obra literária para um formato midiático, essa expressão cultural e/ou social, presente na obra, também pode ser alterada e atualizada, romanceada ou deturpada. Por isso, a Literatura Comparada trabalha com:


- O que o livro diz;

- Como a adaptação traz;

- Qual a realidade vista.


No caso de “O Poderoso Chefão”, vemos que o sucesso do livro, aumentado pelo filme, conseguiu uma nova imagem simbólica para a Máfia italiana dentro da cultura popular.



Referências:

REBELLO, Lúcia Sá. Literatura comparada, tradução e cinema. Organon. Porto Alegre. Vol. 27, n. 52 (jan./jun. 2012), p. 139-160.


THE GODFATHER. Direção: Francis Ford Coppola; Produção: Albert S.Ruddy. Estados Unidos, 1972.


PUZO, Mário. O Poderoso Chefão. Record: Rio de Janeiro, 2020.

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