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MODERNISMO BRASILEIRO E MACUNAÍMA, por Juliana Toledo Bueno

A Semana de Arte Moderna de 1922, realizada no “Theatro Municipal” de São Paulo, recebeu diversas críticas ao propor uma ruptura com diversos padrões pré-estabelecidos e uma busca pela identidade genuinamente brasileira, que deveria ser adquirida a partir de um viés crítico. Os diversos artistas que representaram as vanguardas modernistas, dentre eles Tarsila do Amaral, Anita Malfatti, Oswald de Andrade, Mário de Andrade e Heitor Villa-Lobos, tiveram suas obras duramente julgadas diante de sua suposta inconsistência e superficialidade. Ocorre que, nessas críticas, muito não foi avaliado.


O movimento modernista propunha uma reflexão crítica acerca do que é ser brasileiro e de qual seria a cultura verdadeiramente brasileira. Dessa maneira, buscava combater o academicismo e a ideia de arte pela arte, tentando trazer nela uma maior significação e um choque. É nesse contexto que vem o “Abaporu”, a antropofagia e a visão do brasileiro como um “canibal cultural”. Isso porque as maiores marcas culturais brasileiras são fruto da internalização e interpretação de elementos importados, como vem a exemplificar o próprio modernismo, inspirado nas vanguardas europeias, mas que ressignifica seus conceitos. Essa visão e essa busca são muito bem retratadas nas obras mais conhecidas de Tarsila do Amaral, que dialoga, ainda, com a literatura de Mário de Andrade.



Uma obra que merece atenção é também “O Batizado de Macunaíma”, da mesma artista referida. Esse quadro sintetiza a obra de Mário de Andrade, o modernismo brasileiro e o próprio conceito de “abaporu” e antropofagia ao retratar o suposto batizado do herói de nossa gente. A contradição e a mescla de marcas culturais está posta já no título, que propõe um ritual católico em uma cultura indígena brasileira. Nessa obra, o espectador se depara com uma família indígena realizando o batizado de uma criança branca, o Macunaíma. Ao redor, estão em harmonia os animais e a natureza, em uma visão praticamente “presépica”. Eis a síntese visual e conceitual da obra em análise.


Entre fantasias, duras ironias e um forte efeito cômico, Mário de Andrade cria a Ilíada brasileira ao narrar as aventuras de Macunaíma, o herói sem caráter. Nessa obra, marco não apenas da primeira fase modernista, mas de toda cultura nacional, o autor fez uso de diversos recursos clássicos para sustentar sua crítica e, além, desenvolver e propor uma representação do brasileiro. Conforme retratado nas artes plásticas, Macunaíma é uma mescla de culturas, um indígena branco, de traços europeus, que trai a filha de Vei, a deusa-Sol, com uma portuguesa, predeterminando, assim, sua desgraça. Trata-se de um herói preguiçoso e egocêntrico, apresentado ao leitor através de um narrador onisciente que narra em tom rapsódico as aventuras do autor, propondo uma identidade nacional, com uso de referências culturais, como mitos. Ora, diante do exposto, resta evidente a aproximação entre “Macunaíma: o herói sem caráter” e a literatura clássica, marcada por Homero. Nesta, um narrador onisciente canta os grandes feitos do herói com tons míticos, de modo a unir as diversas póleis em torno de uma suposta “identidade nacional”.


Assim, falta ainda esclarecer um papel dentro da obra de Mário de Andrade, papel esse que reforça a ironia do autor. Em contraposição às vitórias grandiosas e à fortuna dos heróis homéricos, o herói brasileiro define sua própria desgraça a partir da sua falta de caráter. Trazer essas características a partir de uma clara associação aos textos clássicos apenas reforça irônica e comicamente a crítica do autor. Essa crítica é intensificada quando o leitor se questiona acerca da representação das musas. Conforme exposto acima, era marcante nos textos clássicos a invocação das musas, fonte de inspiração e confiabilidade da narrativa. Ainda em contraposição ao tom homérico, Mário de Andrade traz como musa nacional o papagaio. O rebaixamento é evidente, mas ele vem carregado ainda de mais um crítica.



O papagaio vai além do símbolo nacional. Apesar de ser uma ave brasileira, inclusive pelas cores da penagem, a maior marca do papagaio é sua capacidade de repetir os sons que ouve. Dessa maneira, a musa brasileira, nossa fonte de inspiração e confiabilidade é aquele que não produz, mas que copia e repete aquilo que vem de forma, atribuindo apenas uma nova roupagem, no caso em tom rebaixado. É assim que Mário de Andrade imprime na obra seu viés pessimista acerca do Abaporu, qual seja o brasileiro. É assim também que ele trabalha delicadamente com as origens clássicas e rompe os padrões já estabelecidos. São utilizados diversos recursos de linguagem e a ruptura, como se pôde ver, não é acidental, mas totalmente pretensiosa, motivo pelo qual não se sustentam as críticas apontadas ao movimento modernista.

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