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JOÃO GUIMARÃES ROSA, por Gabriel Moraes

  • Foto do escritor: alemackoficial
    alemackoficial
  • 6 de fev. de 2021
  • 4 min de leitura


Como ponto de partida, traçou-se uma breve biografia sobre o autor: desde sua infância mineira e mocidade como médico, participando na Revolução de 30; até se tornar um diplomata, formado pelo Itamaraty, profissão que o permitiu atuar em Hamburgo, na Alemanha, auxiliando a fuga de judeus para o Brasil em tempos de Segunda guerra Mundial.


Devido às intensas situações que viveu como diplomata e médico, seu repertório relativo às questões existenciais e humanas se enriqueceu. Por isso, apesar de se utilizar dos moldes do regionalismo, representado em sua obra com os sertões mineiros de sua infância, pôde transcendê-lo com questões metafísicas e universais. E bem por isso, Antonio Candido situa sua obra literária como um “surregionalismo”. Mas além do regionalismo, transcendeu também o português, através de neologismos propriamente brasileiros; unindo o universo jagunço iletrado ao eruditismo no formato de prosas do sertão.

A fim de discutir a obra de um escritor tão abrangente, focamos em dois contos capazes de tracejar características permanentes do pensamento rosiano: A Terceira Margem do Rio e A Hora e a Vez de Augusto Matraga.

A Terceira Margem do Rio, conto presente no livro Primeiras Estórias, discorre sobre uma família ribeira cujo pai abandona pois decide viver em uma canoa. A família, em geral, se desapega com o tempo e se deixa levar pela vida; o narrador, porém, que é um dos filhos, se apega ao pai e se mantém toda vida à sua deriva, pesado de uma culpa não motivada. O título parte de uma contradição, dado que rios tem apenas duas margens. Além disso, o formato do texto flui como um rio, que atravessa a história sem preocupações temporais: com uma superfície aparente que é contada e as profundezas do não-dito e subentendido. Por esses motivos, pressente-se que o conto busque significar algo mais etéreo e metafísico do que objetivo. Bem por isso, o conto tem leituras controversas entre os críticos, que o consideram aberto a várias interpretações.

Alguns leem o abandono do pai como a morte, uma viagem da qual o outro nunca volta, mas cuja presença se faz sentida pela saudade; outros, como a impermanência da vida, uma vez que o pai embarca em uma viagem cujo fim é o rio, normalmente tido como um meio. Há também uma análise que diz respeito ao conflito entre crenças ocidentais judaico-cristãs e orientais panteístas; isto é, enquanto o filho permanece estagnado e culpado, o pai adentra o fluxo da vida (ou da morte), fazendo parte de um todo metafísico. Esta última análise se torna mais frutífera ao pensá-la sob o espectro do Taoísmo.

O Taoísmo é uma religião e filosofia chinesa milenar, fundada no livro Tao Te King de Lao Tsé, que toma o Tao como princípio absoluto da vida. O Tao é o caminho, a passagem: a força motriz de tudo que há. O símbolo adotado pelo Taoísmo é o Yin-Yang que, apesar de estático, representa o movimento; além das dualidades e o equilíbrio entre elas; mostrando que um polo depende do outro. A ideologia Taoista busca alcançar serenidade em relação ao movimento da vida (bem por isso a imagem do rio e a contraposição ao personagem estagnado do conto A Terceira Margem do Rio). Superficialmente, seus postulados são a espontaneidade, a simplicidade, a contemplação da natureza e a harmonia com o meio e com a efemeridade da vida.

Partindo da perspectiva do Taoísmo, passamos a analisar o conto A Hora e a Vez de Augusto Matraga. No início da história, Nhô Augusto aparece como um senhor influente, apesar de decadente. E sua decadência é enfatizada quando sua mulher abandona-o por outro e seus jagunços trocam de mandante por mal receberem. Nhô Augusto reluta sua decadência mas acaba moribundo, violentado, caído no pé de um morro. Em grande parte do texto, mostra-se sua busca por redenção, quando ele se recupera pela benfeitoria de outros e se torna um bom samaritano; trabalhando por outros e abstendo-se de desejos. Repetindo com fé: “Todo mundo tem sua vez, a minha hora há-de chegar”, e até mesmo: “Pra o céu eu vou, nem que seja a porrete!”. Representando um personagem de duas facetas: uma divina e outra demoníaca. Encontra, em determinado momento, o famoso Seu Joãozinho Bem-Bem, que depois de enlaçada amizade entre eles, o oferece espaço no bando de jagunços, Augusto recusa. Depois arrependido por pouco viver, viaja, talvez inconscientemente, em busca de Joãozinho Bem-Bem; e quando o encontra, é espectador do julgamento da família de um traidor; em que Bem-Bem quer exterminar os homens e abusar das mulheres. Nhô Augusto, então, se sente no encargo de evitar tal absurdo, crendo ser aquela sua hora e vez. Rinha e mata alguns do bando e Joãozinho Bem-Bem e, por fim, mata o próprio líder, morrendo junto. O conto é capaz de unir, no devir da vida de Nhô Augusto, um conflito moral entre o bem e o mal, cuja conclusão é um ato divino e demoníaco ao mesmo tempo.

Concluiu-se, então, sobre os argumentos metafísicos de Rosa que existem dois tipos de ações: as altruístas, tidas como boas; e as egoístas, tidas como más. É inegável a existência de ambas. Nem por isso, as pessoas são boas ou más. O bem e o mal disputam as batidas de nossos corações. No devir da vida, cada qual dança segundo a música, na terceira margem de nosso rio: a passagem; entre o inferno e o céu, ambas constituintes margens de nosso ser.

 
 
 

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