CORA CORALINA, por Mariane Moraes
- alemackoficial
- 18 de dez. de 2020
- 4 min de leitura

A autora que vamos conhecer hoje se chama Anna Lins dos Guimarães Peixoto Bretas, mais conhecida como Cora Coralina. Nascida na antiga cidade de Goiás (Villa-Boa de Goyaz) em 20 de agosto de 1889 na "casa da ponte", onde hoje funciona o Museu Casa de Cora Coralina. Descendente de sesmeiros portugueses, perdeu seu pai quando ainda era um bebe, tendo sido criada na fazenda de seus avós (Fazenda Paraíso). Também sofreu com a indiferença de sua mãe e irmãs, dor que relata em muitos de seus poemas. Como uma boa curiosa, Cora faz de sua obra uma biografia de sua vida. É nela que encontramos traços sobre sua criação, família, costumes da época e, olhando para dentro de si, sentimentos de como a autora lidou com toda a dificuldade de sua vida. Quando criança, recebeu uma educação dura, a qual também é um tema comumente encontrado em seus poemas e prosas, como em “Criança”:
“Entre os adultos, antigamente, a criança não passava de um pequeno joguete. Não chegava a ser incomoda, porque nem mesmo tinha o valor de incomodar.
Mal chegava aos quatro, cinco anos, tinha qualquer servicinho esperando.
Bem diziam os mais velhos: "serviço de criança é pouco e quem o perde é louco".
Era uma coisa restringida, sujeita por todos os meios discricionários a se enquadrar dentro de um molde certo, cujo gabarito era o adulto.”
A infância difícil a preparou para uma percepção solidária das dores humanas, as quais ela registra em poemas como “Menor Abandonado”, “A outra face” e “A Lavadeira”.
Já que sabemos um pouco sobre sua infância, vamos, agora, conhecer quem foi essa autora goiana que ganhou corações por todo o território brasileiro. Para isso, trago um trecho de seu poema “Cora Coralina, quem é você?”:
"Sou mulher como outra qualquer. Venho do século passado e trago comigo todas as idades.
Nasci numa rebaixa de serra
Entre serras e morros.
“Longe de todos os lugares”.
Numa cidade de onde levaram o ouro e deixaram as pedras.
[...] Venho do século passado.
Pertenço a uma geração
ponte, entre a libertação dos
escravos e o trabalhador livre.
Entre a monarquia caída e a
república que se instalava.
Todo o ranço do passado era presente.
A brutalidade, a incompreensão,
a ignorância, o carrancismo.
Os castigos corporais.
Nas casas. Nas escolas.
Nos quartéis e nas roças.
A criança não tinha vez,
Os adultos eram sádicos
aplicavam castigos humilhantes.
[...] Nasci para escrever, mas, o meio, o tempo, as criaturas e fatores
outros, contra-marcaram minha vida.
Sou mais doceira e cozinheira
Do que escritora, sendo a culinária a mais nobre de todas as Artes:
[...] Sobrevivi, me recompondo aos
bocados, à dura compreensão dos
rígidos preconceitos do passado.
Preconceitos de classe.
Preconceitos de cor e de família. Preconceitos econômicos.
Férreos preconceitos sociais.
[...] A escola da vida me suplementou as deficiências da escola primária
que outras o destino não me deu."
Como relatado acima, frequentou apenas dois dos três anos da escola primária, tendo como professora a Mestra Silvina, e “foi pela didática paciente da velha mestra que Aninha, a menina boba da casa, obtusa, do banco das mais atrasadas se desencantou em Cora Coralina”. O ponto alto da vida de Cora é que, apesar de ter iniciado seus escritos aos 14 anos de idade, ela publicou seu primeiro livro já aos 76 anos. De doceira à escritora, ela passou a ser conhecida nacionalmente após Carlos Drummond de Andrade publicar uma carta no Jornal do Brasil, elogiando seu primeiro livro, Poemas dos Becos de Goiás e estórias mais (1965): “Seu livro é um encanto, seu verso é água corrente, seu lirismo tem a força e a delicadeza das coisas naturais. Ah, você me dá saudades de Minas, tão irmã do teu Goiás! Dá alegria na gente saber que existe bem no coração do Brasil um ser chamado Cora Coralina.”. Por fim, falaremos um pouco sobre sua obra. Seus poemas são frequentemente lírico-narrativo, e se constituem na tradição familiar de “contar casos”, apresentando um estilo oral e aparente simplicidade. Cora coloca sua existência nas criações literárias, versando sobre o plano individual e o social. Carrega, ainda, o elo de permanência da tradição que vem dos tempos passados junto à uma afirmação de uma brasilidade futura, se colocando como uma “geração ponte”. Suas principais publicações foram: Poemas dos Becos de Goiás e estórias mais (1965); Meu Livro de Cordel (1976); Vintém de Cobre - Meias confissões de Aninha (1983); Estórias da Casa Velha da Ponte (1985) entre outros, com um destaque especial à literatura voltada à crianças, como Meninos Verdes (1986); A Moeda de Ouro que o Pato Engoliu (1999) e O Prato Azul-Pombinho (2002). Cora Coralina faleceu em 10 de abril de 1985 em sua cidade natal, tendo se tornado a mais nova integrante da Academia Goiana de Letras, onde ocupou a cadeira 38, de Bernardo Guimarães. A autora ainda recebeu diversos prêmios após sua primeira publicação, se tornando um exemplo de que nunca é tarde para realizarmos nossos sonhos. Cora era apenas uma menina, apesar da idade.
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